quem sou eu

31.5.10

Do lado de fora

beleza da criatura
curvas e sombras
na chuva pousa,
ora.

ombros e cintura
bela de costas
gota por gota
chora.

nuca e dorso
sensualidade de fora
cabisbaixa ela pensa,
cora.

pausa e contempla;
canta e silencia
deseja sexo sabor
amora.

Juremada

Ter uma plateia enlouquecida na sua frente e sorrir.
Cantar sorrindo e dancar fechando os olhos.
Nao da pra manter os olhos fechados quando existe um mundareu de gente te olhando com euforia. No meio da multidao nada e' real. Tudo em movimento, todos os bracos e acenos, todas as camisas coloridas e as garrafas cintilantes das bebidas consumidas.
No porao medieval, a balada underground londrina, onde as pessoas soltam suas vontades, seus ais, seus desejos pela danca, pelo corpo que reverencia musica, pelo canto da garganta profunda. E' noite escura, sao luzes e sombras refletidas nas paredes umidas por debaixo da terra. Retumbante e reverberante e' o som que sai das caixas. Estamos os quatro no palco, eu e mais tres que me acompanham nesta saga musical. Temos o nome de uma arvore sagrada, Pe-de-Jurema. Estamos apaixonados por cada toque. Estamos vibrando em cada coro que cantamos. O mais lunatico dos integrantes conversa com a plateia como se estivesse na sala de casa. O mais alto toca como se as mulheres mais bonitas do mundo estivessem olhando pra ele. O outro canta como se estivesse na rua junto com os amigos que mais ama. Eu abro e fecho os olhos, eu e os cablocos da Jurema, como num delirio continuo, feito de cores e imagens levemente distorcidas. Eu nao nasci de oculos e nao uso lentes. O que meus olhos veem pode ser puro brilho.

A arvore que vai crescendo. As folhas sagradas vao sendo curtidas. A madeira queimada exala o aroma do axe. A bebida de Jurema traz a riqueza da musica e dos rituais.
Ie..."Jurema..a mais linda flor do meu sertao..."

20.5.10

blessed girl

Voltei. Voltei-me para mim mesma e reconheci todas as partes, as menores, as maiores, as mais internas, as mais externas. Meu corpo esta' magro, leve. Posso elevar as pernas de ponta cabeca. Meu sonho de plantar bananeira!

Acabo de visitar a pagina da minha escritora preferida. Ela disse que ninguem mais escreve no blog hoje dia. Entao resolvi prestar-lhe uma homenagem. Este texto e' sobre mim, e o quanto de nos duas e' desenhado neste pedaco de papel. Depois de um auto-massacre, foram meses querendo descobrir e voltar a sonhar, foram semanas longe das pessoas que amamos, foram dias e noites num ceu desconhecido, foram kilos de lagrimas e olhos vermelhos, montanhas, parques verdes, silencio e passaros, dor, a falta de sonhos. Os nossos sonhos estavam ocultos porque tinham medo de nao tornarem-se reais. Nada mais banal esconde-los e viver na espreita, achando que um dia tudo passa.

E' verdade. Tudo passa. Os sonhos reaparecem, e ja sao reais. Minha amiga teve momentos na infancia que a levaram a desejar uma coisa; a mesma que a minha: tocar piano. Acho que exatamente comigo aconteceu, me lembro de todas as vezes que desejei um piano e o quanto desejei ter um em casa- na escola tinha um, nao podia toca-lo. Acho que ninguem mais que eu conheca tinha um piano. Ate' eu ficar muito grande e ir ate' a casa da blessed girl. O pai dela era pianista, ela tinha um piano, mas dizia que nao tinha. Eu nao sei bem como foi isso. Mas eu nunca tive um piano em casa ate' o ano passado. Agora tem. E o sonho de sentar nele e poder toca-lo e' como felicidade eterna. sim, Julia, estamos certas, teremos amantes que nunca nos deixarao!

Isso tudo pra dizer que um sonho moido se transformou em vida. A gente tem professora agora. A gente sabe escolher uns sambas que a gente gosta e ir la', harmonizar. Eu fui dar aulas pra criancas e pude tocar o piano na escolhinha. E o mais surreal e' que ambas colocavam esse sonho no congelador, como se na velhice ou quem sabe um dia, na ranzinhes de nossa ignorancia, pudessemos sair dela. Bem, ate' que demos um salto pra gloria, e ca estamos, nao mais nos primeiros acordes.

Continuamos longe, fazendo o que gostamos. Estou cantando com outras cantoras. Estou tocando com outros musicos. Estou ensinando muitas criancas, estou ritmando muitos adultos. Estou feliz por estar vivendo plena, mesmo longe. feliz por sentir-me desamarrada, solta, gingando, virando estrela, plantando bananeira, fazendo as postura dos assanas. Muita coisa mudou, e somos a continuidade do que ja estavamos fazendo. De repente muitas tardes ensolaradas num pais frio, longe de Sao Paulo, a terra sufocante que mais soubemos amar e odiar.

Minha blessed girl! agua de palavra, arvore de volta pra terra, caminho do mar, da montanha, da cachoeira. maracatus de preto velho, tu maraca, tomaladaca, o amor e' uma flor.

8.5.10

Contemplada

- Por que olhas para a areia do deserto que voa para longe como se caminhasse constantemente, sempre juntando-se a outros grãos? parece que admiras o desprendimento, a inconstância temporal, um outro céu de estrelas?

O velho continuava sentado na cadeira, abaixo de si uma antiga almofada de tecido turco.

-Por que nao me respondes quando dirijo-te a palavra? Por que estás sempre distante em teus pensamentos e não voltas para o trabalho?

O velho permaneceu em silêncio. Havia anos tentara explicar à velha senhora que a vida lhe fazia sentido do jeito que a vivia.

Solto

Sigo pendurada nos sonhos
das estacoes que no mundo
temporariamente renascem

quando o canto
devolve encanto,
soltam-se as garras

quem agarra
segura e amarra
parece estar preso

um grande peso
que pouco se desfaz
de repente jaz

caido no fundo
do mar,
paz.