quem sou eu

19.4.09

ensaio





As teclas iniciais emitem o grave, de cor densa, escura, como se fosse uma massa condensada que estivesse sujeita à sustentação do peso da terra, onde o centro da gravidade atinge seu rigor. Através do som, resplandecea imagem de uma mistura de minerais e metais, interpelados por raízes sóbrias, emaranhados de filos energéticos nutridos na profunda umidade do solo. O grave das teclas do piano trazem a força, um certo poder de convicção, das coisas que possuem continuidade, constância, um mistério envolvente, o som que se propaga com vibrações perpetuantes, lentas. O grave que arrepia a nossa concha acústica, o som retumbante de dentro da caixa acústica da madeira do piano para o coração.

Na oitava central os tons ganham certo brilho e cor cujos sons trazem a lembrança da superfície do mar, onde se pode flutuar com naturalidade, e o peso do corpo ganha leveza, sentindo a tração do que está abaixo, como se pudesse perceber o sentido de um todo no profundo da matéria e acima dela. São os tons que fazem qualquer música e que a voz consegue acompanhar. É quase simples, bonito por existir.

As notas agudas lá no fim da escala cintilam no alto, são como pássaros no céu. Tão sutis quanto estridentes quando lhes falta voar. Serpentinam, chocam-se com o ar sublimado, abrem as asas para dar giros rasantes, podem atingir uma velocidade diluída no tempo, caminho de pontilhados e riscos, sons que o corpo assimila sorrindo, uma beleza quase infantil de sapecar, brincadeiras em dia de sol.

Quando aurora, o piano agrega terra, mar e céu ao toque de duas mãos. Nasce no magma da terra, atravessa a profundeza das águas, balança nas marolas das ondas, se mistura na espuma com o vento e evapora pro infinito do universo. Neste caminho que percorre de dentro pra fora, num espaço sem limites, o mesmo acontece no corpo do ser que o escuta; o som ressoa lá dentro, da alma ao corpo mental, sensório, emocional, motório, físico e carnal,vem vindo à superfíce até chegar à pele, e em contato com o ar, os pelos se arrepiam, partindo pro espírito que circunda o corpo, mistura-se com o ar e novamente ganha o universo...

piano

gran piano ou pianoforte

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