quem sou eu

28.8.13

Chorando baixinho

Como as crianças faziam naquele tempo, corriam pra debaixo da cama naquele quarto onde se guardavam as coisas que ninguém usava no dia-a-dia, onde a avó de vez em quando costurava uma peça de roupa nova e simples; era um abrigo secreto, seguro, onde o choro poderia vir, quentinho escorrendo nas bochechas, salgando o cantinho da boca, com uma dorzinha apertada no peito, uma dor que era até boa de se sentir. Chorando baixinho, pelas coisas que passam, pelas que passarão.

O filho está doente. Comporta-se mal. Sofre, todos sofrem juntos. Estão perdendo a fé na saúde, estão assustados, perdidos na loucura que acordou consigo numa manhã do futuro que lhes bateu à porta. Era uma realidade e no entanto tornou-se um fato. Algo que poderia se justificar? A quem, ao quê exatamente?As perguntas que os pais se fazem todos os dias, em cada pausa de silêncio, na refeição que fazem quando o filho está ausente.

O irmão tenta encontrar um consolo. Uma leve esperança que chove no seu rosto lavando expectativas, impurezas de pensamentos imperfeitos, julgamentos, lembranças do passado. Sabe reconhecer e aceitar a condição em que se encontra seu irmão. Tenta conversar com os pais, mas sua compaixão não é aquela de oferecer as mãos e um carinho. É aquela de dizer com firmeza que o presente é a realidade da qual não se pode escapar.

Chorando baixinho no quarto escuro. Apenas o colchão e uma velha cama. Apenas o clarão da luz que vem do pátio, pela fresta da veneziana quebrada, percorrendo a sombra que fazem as grades. Ao longe, ele ouve alguns gemidos, o ranger de portas, passos que passam apressados, oras se acalmam. O corredor é comprido, com paredes descascadas. Alguns dos que ali estão perderam a lucidez, a luz de dentro e a de fora, vivem no mundo atemporal. Mas ele não, chora baixinho, e ainda pede pra Deus iluminar seu caminho.

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