Ele toca com paixão nos olhos, nos dedos, na voz. Ele olha pra dentro de si mesmo enquanto esbanja música pelo corpo, por cada fio de cabelo. O que faz com que a admiração por um artista seja maior do que pelo outro, é o quão entregue este artista está enquanto faz aquilo. A entrega ao amor, ao presente, ao próprio ato, à cada segundo que acontece diante dos olhos de quem o vê, ouve, e se entrega juntamente.
A entrega de mim mesma naquilo que faço faz o amor transbordar eloquente por cada nota, espelho do que quer dizer a alma, que carinhosamente compôs a melodia, o ritmo, cada pequena parte de um todo. Naquele dia, eu precisava estar concentrada, pensei que o público poderia se conectar com meu olhar, mas eu não podia olhá-los, a execução exigia o foco dentro de mim mesma. A luz era pouca, mas brilhava quando as meninas sorriam. E ao mesmo tempo, o pensamento de deixar-se levar, de estar ali em função da música que preenchia o espaço de dentro e de fora do corpo.
A beleza está também na preparação, na dedicação que ocupa os dias com criatividade, com insistência. Ensaiar, repetir, parar, recomeçar é um processo que caminha com pernas próprias, nem nos damos conta. Mas ao vivo, a conexão consigo mesmo ultrapassa o entendimento racional. É inebriante, lúdico, desafiador. Como equilibrar taças sem deixá-las cair. A noite foi bonita, com gotas de chuva, com banho de som.
Nenhum comentário:
Postar um comentário