quem sou eu

23.3.15

Jardim de ébano**

Dias de sol no jardim que ela semeara: nossos encontros se faziam ali, no jardim que ela almejara ter durante os muitos anos que passara sua vida num apartamento, entre paredes que comprimiam, com janelas que pouca luz transmitiam. A procura por um novo espaço; e num piscar, surge o quintal abandonado da nova casa. Tudo por se refazer; árvores ressecadas pela ingratidão da ausencia, terra vermelha batida, seca, árida, mato crescido pelos lados do muro e das grades, uma mistura de vazio do desamparo, um esquecimento talvez, ou simplesmente desleixo, mais o entulho do que fora deixado pra trás, ao ermo.

Contudo, de repente, chega ela, cheia de energia, da realização do sonho de ter um quintal, ela vem com tudo, enxadas, rastelos, vassourões, mãos, pernas, braços, abdomem, a força de revirar a terra, de limpar o terreno, de amaciar o solo, agradá-lo e torná-lo propício ao plantio de árvores frutíferas, acelora, pitanga, limão, amora, pé-de-café, uma jaboticabeira que renasceu. Todos os dias, desde que se mudara, ela madrugava, da cama ao quintal ia, carregava suas ferramentas e pouco a pouco o quintal desarrimado transformando-se-ia em jardim.

Escolheu vasos de variados tamanhos, colocou grama, foi plantando mudas, escolheu flores e bromélias, adorava bromélias! e plantas suculentas - babozas, cactus, crasuláceas. Em pouco tempo, seu jardim parecia um sonho; uma realidade, um refúgio de belezas em frente à janela de sua sala. Vinham pássaros de tantos tipos, sabiás, bem-te-vis, tico-ticos, vinham abelhas, borboletas, joaninhas, as flores brotavam em felicidade. Quando lá íamos, colhíamos os frutos, e ela nos preparava suco de acerola do pé, e junto servia um café.

Deslumbrados com seu jardim, elogiávamos, e ela, que nunca parava, sempre tinha planos de fazer mais, uma cobertura de plantas trepadeiras, primavera, maracujazeira, jasmim-dos-poetas. Depois podava quando tudo demasiado crescia mas também replantava arbustos. Enfeitou os caminhos com pedras, ajeitou troncos - cedro, aroeira, ébano, para decoração rústica - meu tio até pendurou uns cristais em algumas árvores, para balançarem e brilharem com a brisa. No jardim sorriam, a vida parecia o que eles queriam viver.

Hoje o mato está um pouco crescido. Uma pequena árvore tombou por conta da estiagem do ano passado. Alguns vasos racharam com o passar das chuvas e dos ventos desse verão. Um e outro galho secaram. Mas o caminho de pedras continua lá. Os cristais continuam lá. O jardim perdeu um pouco suas formas, as plantas estão da maneira que a natureza lhes permite. As podas não serão feitas tão cedo, nem tampouco o replantio de sementes. Ela estivera sem forças. Ela fora transportada e não poderá madrugar para ir ao encontro dele. Ela, quando acordar estará em outro jardim, tão ou mais bonito que esse, mas ela ainda não sabe.


*inspirada em "Saudade do Brasil" de Tom Jobim, a pedido de Gracibella.
*Em memória a Elizete Macedo,

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