quem sou eu

17.5.08

Re-trato

Ela esperava por aquela noite de silêncio e lua na janela. Queria desafiar sua intuição que previa sombra e luz, calor e arrepio, mãos e pés naquela noite sem fim. Também sabia que tudo findaria, talvez alguma sensação pudesse prolongar-se pelo infinito de seu corpo, pelo espiralar dos seus desejos. Ela queria a espiral no centro de seu corpo, abaixo de seu umbigo, pulsando quente, tremendo de energia.

Quando chegou no quarto dele, percebeu seus desejos esvaindo-se e sua imediata tentativa de resgatá-los para que não saíssem pela ampla janela, cuja luz do universo refletia o tatame de palha bem ao lado do colchão resistente no chão. Avistou um quadro embaixo da mesa, uma silhueta de mulher nua deitada e um homem de costas dando suas coxas para que a mulher apoiasse sua cabeça. A mulher tinha contornos bonitos. O homem, coitado, mais parecia um bicho indefeso. Porém, não há coitados nessa história, nem culpados, nem vítimas, nem nada. Haviam duas pessoas que queriam experimentar. Talvez uma quisesse mais que a outra, mas isso ninguém pode medir com termômetros.

Procurando conversar baixinho com seus desejos que já tinham pulado pela janela, ela pensou que provocaria suas vontades intimas, afinal o que mais queria era sentir a provocação dele se enrroscando nela, passando a língua em seu pescoço. No início não foi assim. Ele estava afoito, quis logo arrancar sua blusa, beijar seus lábios de qualquer jeito, respirava ofegante, queimava. Suportar o incendio é quase impossível, improvável, ou se corre dele ou nele joga-se água. Usou suas mãos frias e úmidas para acalmá-lo, para fazê-lo sentir cada parte de seu corpo e do dela sem pegar fogo. Ela temia virar carvão, não queria, não naquela noite, não com ele ali.

A noite foi mais branda quando tudo virou brasa e vapor. Atingiram estados mais sutis e puderam fazer amor com algumas sensações que o corpo sente quando está ouvindo os toques atentamente. Ela achava estranho não olhar nos seus olhos, nem sequer na sua face. Não conseguia. Não ouvia seus gemidos de prazer, se é que existiam ali. Sentiu prazer mas não soube explicar sua tranquilidade, no fundo pensou que pudesse sentir mais. Mas a noite não permitia culpados. Nem se culpou, nem a ele pela ausência de algo mais intenso. Mais erótico. Mais sedutor.

Dormiram sem palavras. Sem afagos. Levemente abraçados. Não se olharam. Não sorriram um ao outro. Ela continuava tranquila. Nem triste nem feliz. Em repouso. Ele talvez nem pensasse em nada, logo sua respiração ficou profunda e adormeceu.