quem sou eu

11.12.10

Filha

O espaco vazio na alma das mulheres. O que elas teimam em sentir quando estao longe de suas maes, de suas avos. Mulher e' tao maternal, quer logo se aconchegar no peito, quer sentir o afago dos bracos, o calor do ventre, o som da voz da mae, as conversas 'a toa que elas tem na cozinha na hora dos cafes.
A vida pode seguir com um bocado de sofrimento se uma filha sentir-se longe demais de sua mae. Mas a distancia e' so' espacial. Mesmo assim, o coracao muitas vezes chora em homenagem, sente que a mae acorda e pensa quao infinita e' a saudades que pode provar e nao sabe muito bem se e' um sentimento reciproco. E fica ali, por instantes na cama, percebendo se o que sente vai passar, se a vida vai mudar, se vai voltar a sentir uma alegria sem peso, como se a vida fosse normal e todos pudessem estar por perto.
O que as maes sonham, a maior parte delas, e' justamente o que mais parece impossivel. Que a vida seja "normal", como as criancas que quando pequenas correm no jardim, depois entram pra tomar banho e jantar, dormem pelo sofa, fazendo perguntas caraminholante aos pais. Quao boa parece esta etapa da vida, de zelar pelos filhos sem muito mais pra se preocupar, curtindo as surpresas, ate quando lavando a roupa suja descobre uma mancha que deu indicio de que o filho esteve por algum lugar que a mae jamais imaginaria, mas acabou por saber. Uma forte e tao perto intimidade que a mae tem com os filhos e que so' elas podem ter.

2.12.10

Almirante

Lendo "O Poeta  é um fingidor", não esse livro exatamente, mas uma coletânea de poemas com comentários de uma pessoa que passou boa parte da vida lendo o Pessoa, reconhecendo seus museus, sabendo cada pedaço de vida do poeta amargurado, veio a pausa para observar; uma aparente infelicidade do Poeta fingidor se apoderava. Quem o sabe exatamente? Conviver com as palavras podia ser um caminho dos bem-acompanhados. O mundo lá fora pareceria pouco poético quando as palavras que um ser podia juntar eram todos os outros sonhos que se realizavam, outras imagens que se apresentavam, uma realidade que podia trazer algum sentimento novo, fora aquele que já se reconhecia no mundinho em que o poeta vivia. Ele vivia circundado de poucas pessoas, poucos poetas amantes de verdade.

Ao ler o poeta navegador, ele dizia - ou o personagem que nele existia, dizia: "Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida./ Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei/ A caligrafia rápida desses versos/ Pórtico partido para o Impossivel (...)". Em poucas novas linhas, quem tem a cabeça incendiada de versos, logo faz a ponte do que está fora e o que ele, seu próprio ser enfrenta dentro. São momentos distintos entre bater de frente, face a face contra sua outra mesma face, de se xingar, de enrugar a testa, dá quase pra ouvir o tom de voz engrossando com desgosto de encher a boca com aquelas palavras proferidas pelo seu Eu, vindas do seu próprio espelho em fúria. São, enfim, momentos de ver o barco navegar e passar lentamente, com todas as estações que nele se carrega.

O Poeta acreditava ser sempre "o da mansarda" e talvez o fosse, não sei, hoje são muitos outros que traduzem suas palavras, são ensadecidos por elas, pelo que elas provocam, pela maneira como se configuram e mostram um pensamento, o Pessoa tinha um gênio que em si vivia e não se concebia, como tantos outros homens e por não crer em nada e  não ter certeza de nada, também se perguntava, "sou mais certo ou menos certo"? Hoje em dia e também antigamente, quem respondia à questão eram os pais das crianças, regrando tudo, colocando horários, notas, impostando sonhos. Ainda tem gente pagando imposto pra sonhar..."Mas-esta é  boa!- era de coração que eu falava...e onde diabo estou eu agora com almirante em vez de sensação?..."

véu de neve

vai caindo assim, de pouquin em punhadin
leve como pluma, branca como nuvem
devararin vira um montão
cara de algodão
traz branda sensação
de estar no deserto
e sozinho no mundo
frágil diante de tanto gelo,
completamente suscetível
ao que o céu imenso
tem pra oferecer;
o vazio de cor
o silencio dos pontinhos
brancos em movimento
a temperatura tão baixa
que o corpo luta
dentro
para aquecer
resplandecer
não adormecer
e nesse incessar do corpo
não querer se calar frágil
não podendo vencer o tempo
nem se render à poesia
da ausencia de luz no fim do dia,
todo um coração se enternece,
vai balançando como os flocos de neve
de um lado para o outro,
numa lenta dança que sempre acontece
e vai deitar-se nos outros pontinhos brancos
que já se achegaram de outro ceu,
deita macia no todo
em cima de outros todos
dentro porém o edredon branco como a neve
chama por aquele mesmo corpo
pequeno diante da imansidão,
clama no pé do ouvido baixinho
acariciando os sonhos
a levidade do sono
que invade os olhos
quando a paisagem branca olha.

deita um corpo. sonha no sonho.
ao acordar, vê o branco no escurecer.