quem sou eu

30.5.09

Saga

Olhos d´água
do animal feroz que passa
e num piscar ameaça
quem detrás
dos muros da praça
se esconde na sombra
e finge que não vê
os olhos famintos
do andante que traça
sua saga de fome.
A pele enrugada
com vigas profundas
riscaram seu caminho
ao longo da face
de sol a sol
e em dia de chuva
a mesma busca
a incessante procura
do alimento
que lhe dá a cura.

Que mofe a fome
de alguém sem nome
que nada come
e no vazio some.

Paisagem amarelecida

O céu acinzentado
com o tempo envelheceu.
Escuridão maltada;
o fosco clandestino
de impurezas,
o sol se lhe escureceu.

Em cismar olhando ao longe
a tristeza me anoiteceu;
um choro apertado
no peito recendeu.

Dessarte conciliar
- na noite posterior -
a voz cantada, os hinos
a prece e o louvor,
o divino me enterneceu.

24.5.09

Louvores

"a sala está cheia, minha gente,
como é que eu entro agora?

eu entro minha gente, eu entro
com deus e nossa senhora"

Assim aquela senhorinha, de um metro e meio de altura, cabelo preso num pequeno rabo de cavalo, pulseiras de bolinhas coloridas e poucos colares, saia de renda amarela e camisa bordada à mão, com as mãos elevadas ao céu, os olhos voltados para a sala repleta de ouvintes, com q voz firme no microfone, ela pronunciou esses versos lindamente e deu inicio à cantoria feita por mais de dez mulheres no palco. Era um show especial, uma homenagem ao Divino com a tradição das caixeiras do divino do Maranhão.

As maranhenses que estavam no palco eram lindas. Mulheres fortes, simples, umas tímidas outras sorridentes e alegres, todas com um brilho especial no olhar, com uma ternura enquanto cantavam, vozes potentes, agudas, cantoria de fé. Os canticos eram como louvores ao Espírito Santo, à estrela guia, aos mastros que conservam os pedidos, as devoções, as promessas. Foram dias de procissão, adoração, homenagem, saias brancas, giro de saias, toque das caixas.

Parece que uma vida se passou em duas semanas e meia de celebração. A cada dia de encontro, outra vela acesa, outro lenço estendido na mesa, a imagem do pombo branco que voa pela paz, voa paz, avoa em paz. Tocar sentada com aquela caixa no colo ao lado de mulheres e à frente de outras mulheres é como um mantra que nos cobre com um manto suave, que aquece o ventre e dá o aconchego do calor materno, da pureza de sentimentos, de beleza de desejar coisas boas e ter uma luz amarelada por dentro, mesmo com os olhos cerrados.

Nesse ritual não tocam os homens. Não se pode tocar de calça comprida. Ninguém ousa atravessar o corredor de duas fileiras de caixeiras. A força das vozes femininas e a lentidão das mesmas se emaranham e se dissolvem na melodia serena. O mais bonito de tudo isso é que elas fazem por amor à vida, à vida desta terra, à vida terna, à vida eterna.

16.5.09

o sonho e a harpa

A pequena harpa estava em minhas mãos enquanto eu caminhava por entre as pessoas no vilaregio. Emitia um som doce, suave. Eu a olhava e a tocava sem me ater às sequências harmônicas combinadas. Precisava entregá-la ao músico daquela noite, naquele festival de música intrumental. O músico que a tocaria era um caro amigo meu, que não tem a harpa como seu intrumento na vida fora do sonho, mas aqui ele a tocaria. Eu, porém, não conseguia encontrá-lo. Não havia angústia no entanto. Houve a certeza de um encontro antes que ambos subissem ao palco; a harpa e seu tocador.

O sonho acordou-me assim, com o som da lira ao longe, como um túnel de seda que vai se desmanchando lentamente até desaparecer com os olhos abrindo-se ainda sonados no amanhecer de uma cidade com montanhas de areia no fim da rua,e logo depois das montanhas, o imenso mar. No dia seguinte o amigo músico inusitadamente telefonou quando estávamos na praia. Na volta,ao ver seu número grafado no celular, lhe escrevi a mensagem "Tinha uma harpa no meu sonho para suas mãos". Em menos de cinco minutos uma mensagem dele apareceu no meu visor: "Inesperadamente, uma harpa veio parar em minhas mãos dias desses".

O sorriso ivadiu-me como o sol na parede do quarto às sete da manhã.
Permanceu, alumiado.

Na semana seguinte, entrei na sala da minha professora de canto, e perto do piano havia uma caixa de madeira, que nunca estivera ali antes. Perguntei se era algum instrumento. Ela disse que era uma harpa. Abriu a caixa, lá estava ela com as cordas finas prateadas como o brilho da ponta das estrelas, esticadas por uma clara madeira cor marfim e, calmamente a harpa veio parar em minhas mãos. Do sonho, para minhas mãos.

parábola chinesa sobre o estudo

Hoje eu li uma fábula chinesa que dizia o seguinte: o aprendizado não tem idade e se ele vier, não importa quando, vai sempre contribuir e iluminar. Obviamente a fábula não continha essas palavras tão diretas e esclarecedoras. Havia dois personagens: um velho de setenta anos, com vontade de estudar os Clássicos e sem ânimo por fazê-lo, afinal dizia-se ser um velho e de que serviria começar a lê-los agora? O outro era um mestre de música que também era velho, porém era um mestre que logo discordou do amigo dizendo-lhe: "Pois bem, se achas que estás velho, por que não compras uma vela então?"

A pergunta soou fora de contexto veio pra ambos, ao velho e a mim, leitor. Imediatamente tivemos feito a pergunta: "Vela? pra que vela? eu digo um você diz cem, o que isso tem haver?!Oras bolas!" O velho certamente usou outras palavras, melhores do que estas, seguidas da explicação àquela pergunta, que coincidentemente era a resposta do título da parábola "Acerca dos estudos". O mestre chinês disse então que o aprendizado na juventude é como ter uma vida no futuro com o clarão de um sol numa madrugada,chega cedo e permanece; que o estudo na meia idade é como conviver com o sol do meio-dia, extamente sobre si; e que o estudo na velhice é como a chama de uma vela, se bem não iluminar tanto, ao menos não nos deixa completamente na escuridão.

O velho agradeceu as sábias palavras e refletiu. Tive o alívio de crer permanecer com o sol do meio-dia no meu futuro de hoje. Também me senti aliviada ao perceber que um estudo que eu sempre disse que faria quando fosse velha - para fazê-lo sem pressa - eu andei iniciando ano passado, quando chegou um piano em casa. Percebi, ao ler a parábola que o conhecimento alumia e dura o eterno brilho de uma vida.