quem sou eu

13.11.06

vivência

"A flor morreu por falta de água"
Essas foram suas últimas duras palavras. Desde que soube que não a encontraria naquela tarde. Ele sente como se tivesse sido abandonado ao relento, permanecendo só, mas tinha grande esperança de que num dia próximo ela aparecesse e o iluminasse, como sempre fizera, durante muitos anos.
Ele vivia com a certeza de que ela cedo ou tarde apareceria lhe trazendo uma surpresa, um doce, uma especiaria ou uma poesia. Ele sabia que no passado podia encontrá-la numa rua ou outra, que à noite passaria pra dormir naquela casa, e que ali lhe contaria os segredos e desejos mais íntimos, que tudo estaria a salvo em sua companhia. Mas ele também sabia que alguma coisa poderia mudar no ano de Saturno...ouvia dizer que era o ano de decisões difícies, de desencontros que poderiam simbolizar a escolha por um caminho inusitado, completamente novo e talvez frio. Ele não quis levar as previsões de Saturno em sua viagem, afinal, repetia sempre que a escolha depende de cada um, não dos astros.
Hoje ele percebe que existe uma força maior que impede que um destino seja o mesmo que o sonhado, porque existem muitas forças que regem cada caminho, sua única e verdadeira força não aplaca todas as outras. No entanto, acredita ainda que a força que ela tem foi capaz de murchar seu coração, outrora tão cheio de cor. Ele não queria ter acreditado em vão. Ele não poderia ter dormido tantas noites sozinho, pensando na certeza da chegada dela, com flores e paixão, com seu cheiro e toda sua presença.
A tristeza passou, resta o vazio, a culpa de quem não cuidou do que valia tanto pra ele. Não quer dizer mais nada, apenas afastar-se de tudo que pode significar a presença dela, daquela que não veio, daquela que não virá.

Ela não quer sentir tristeza de quem não aguou a planta o suficiente por pura distração ou escolha de tempo. Quer também inventar uma explicação pra sua falta de cumplicidade quando os sonhos de um e outro voaram pra universos não-equivalentes. Ela gostaria de ter plantado a sua flor num canteiro onde pudesse estar em companhia de outras, e assim, naturalmente se alimentaria se sol, água da chuva e teria a visita de pássaros sempre. Mas não conseguiu transportar a sua flor, deixou-a no vaso de uma memória longíqua, não conseguiu pensar em suas raízes comprimindo-se, apenas deixou-a ali. Ao relento.
Hoje leu nas entrelinhas as duras palavras de quem se sente sem vida, oco por dentro e feio por fora. Vai fechar os olhos e pensar na flor com amor, para que ela possa reviver em paz, mesmo sem sua companhia.

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