quem sou eu

11.10.10

Cenas ao redor do fogo num país da Europa

Ontem à noite, ao redor da fogueira, entre baixas melodias que as pessoas cantavam, uma breve pausa entre um comentário e outro, alguns diziam-se hipnotizados, outros riam baixo e permaneciam calados; entre o prazer de ver os olhares brilharem com o calor do fogo, apareceu um cara alto de ombros largos e barriga saliente, com uma camisa xadrez vermelho e preta, com um copo de cerveja heinekeen na mão, dizendo:
"A fogueira é que nem televisao. Fica todo mundo horas sentado olhando pra ele e até esquecem da vida. Pra mim, o fogo é uma televisao, infact". Nisso, eu que já cutucava a lenha, posicionando melhor os galhos pra que o fogo nao cessasse, disse:
"Discordo. Aproxime sua mao do fogo e da TV e veja o que você sente. É bem diferente!"
Ele disse que sim, claro, aquilo era evidente. Mas o que ele queria dizer e que não foi muito bem expressado, era que antigamente as pessoas contavam histórias em volta do fogo, quando ainda não havia luz elétrica e as pessoas ficavam ali paradas, olhando e ouvindo. E hoje em dia, as pessoas continuam paradas olhando e ouvindo histórias que vem da televisão. Então ele complementou: "Eu mesmo ficaria horas aqui, que nem quando assisto TV" e eu que ja tinha ido buscar outra lenha mais ao fundo do quintal arrematei: "Eu fico horas aqui e nem um minuto assistindo TV, por isso nao concordo com voce".

Ninguém na roda quis efetivamente que aquilo virasse uma discussão. Ninguem quis se aventurar a dizer o que era melhor, que tv era uma merda, que no passado as pessoas eram mais livres para se expressarem na frente do fogo, as histórias aconteciam porque as pessoas se manifestavam, não porque o fogo lhes contava historia. Ninguém rebateu aquele comentário inútil, que aliás nao passou de um comentário, como deveria ser e eu que queria suscitar uma contrariedade a um pensamento estreito, logo acabei na risada irônica silenciosa que me restou rir.

Nessa mesma roda ao redor do fogo, haviam pessoas de outros paises. Ali´ss, esse cara de camisa xadrez não era da minha nacionalidade. Certo tempo depois de mais cantorias, risadas, vinho, amizade, eu desabafei o quanto poderia ser dificil naquele momento falar uma outra lingua, já que me sentia tão conectada com o fogo da terra, que parecia o da minha terra. Nesse momento, senti o olhar de sensura do meu companheiro. "Não diga essa blasfemia", pude ouvi-lo em silêncio. Oras, eu só queria me expressar com pessoas que tambem falavam a minha lingua e que poderiam ter sentido o mesmo. Calei-me. Ainda alguns minutos depois, a anfitrian da festa entoava versos e agradecia os aplausos, claro, numa lingua comum a todos. Após uma das inumeras cantigas que interpretou, virou-se pra mim, e disse: "Agora é a sua vez de cantar, que musica você escolhe?" Respondi: "Cantei muitas aqui enquanto você não estava, agora só canto quando todos cantam juntos". Imediatamente ela franziu a testa e reprovou-me "Why are you speaking in portuguese?!"

OH! suuuugar! Me deixem falar a minha lingua pelamordideus! - pensei mas nao falei. Talvez o fogo tivesse suscitado alguma selvageria dentro de mim, algum bicho adormecido que precisava esbaforar o calor de dentro. Ao final de tudo isso, antes que o vizinho reclamasse do barulho -quase a uma da manhâ - minha amiga, sentada ao meu lado, aproximou-se de minha orelha e me disse: "Olha só que engracado, enquanto nós que estamos sentados perto do fogo (do lado esquerdo onde a fumaça nao vem), estamos tão relaxados que parecemos estarmos nas nossas casas de praia com quintal,  o pessoal do lado de lá (lado direito, todos em pé cercados por um murinho, pra onde a fumaça ia) está todo tumultuado como se tivessem dentro do apartamento deles, achando que a vida é normal e legal assim. Que sorte termos nossas casas de praia!" e soltou uma gargalhada. Pena ela nao estivesse presente na hora do comentário infeliz do cara da cerveja heinekeen, nem no fora que tomei por falar a minha lingua. Uma gargalhada dela em qualquer um daqueles momentos teria sido incrivel...pra descontrair assim, quebrando o gelo, coisa que nem o fogo foi capaz de fazer.

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