quem sou eu

29.9.06

sombra


a moça deixa só um rastro de cada passo no ar.
a moça dança uma dança lenta, inebriante.
ela quer deixar as flores por onde passa.
ela quer vestir-se de rendas pra modisonhar.
gosta da sombra de quem se ilumina.
gosta do delírio de quem ama na noite.

25.9.06

adjetivo de posse

o egoísmo não vale a pena. como livrar-se dele, quando aparece de mansinho, no momento mais inoportuno?! a princípio nem é identificável, você sente uma coisa forte e bloqueada, uma birra amarrando o coração e fazendo um nó na garganta, você fica mal-humorado por não conseguir ter seu ego alimentado por aquela vontade íntima, própria e única.
há quem conviva bem com essa espécie de adjetivo de posse para o eu, típico do ser humano que admira o umbigo e vive voltado pra ele mesmo. são insuportáveis e reconhecidos à distância. há quem reconheça o egoísmo batendo na porta e consiga deixá-lo do lado de fora, assim ele logo desiste e vai embora. mas há momentos em que ele te invade freneticamente, arromba a porta de entrada e passeia por algumas horas na sua casa. ah sim, leva umas horas também colocá-lo pra fora, livrar-se dele com serenidade. e ainda resta um ar de coisa ruim que passou e causou algum transtorno.
bem, mas depois vem a reflexão do porquê dessa impulsão invasiva, a causa de ter-se deixado o intruso se apossar...essa etapa é que te faz amadurecer e perceber que existe o outro logo ao lado. que muitas coisas não são feitas só por você e nem pra você, depende da disponibilidade de outros seres (humanos ou divinos) e que você não é o centro do mundo que vai ter tudo o que quer. nem deveria, senão conviveria com o egoísmo continuamente, sendo saciado a todo instante.

20.9.06

musicar



e mais nada será preciso

18.9.06

"aqui se fazem amigos como se fossem irmãos"

Foram descalços até o cume daquela região ondulada e o mestre falou para seu guru:
-Estás vendo aquela árvore logo adiante, frondosa, elegante com seus galhos rumo ao céu, imagines o quanto de energia ela precisa extrair da terra pra sustentar-se e alimentar todos os seus labirintos; imagine quanta luz ela absorve pra continuar exuberante com seu porte!
O aprendiz mirou a árvore e continuou calado.
-Agora vejas aquela planta miúda, logo abaixo, na sombra da árvore. Repares bem no seu tamanho, na sua minusculosidade. Ela não precisa de tanta luz, nem de tanto alimento. Talvez ela seja mais suscetível a fragilizar-se com as constantes oscilações do tempo; com certeza ela é desapercebida por todos que por ela passam. No entanto, o que faz com que ela seja comparada à árvore? Por que dizer que uma é pior ou mais fraca do que a outra?
O discípulo ascenava um movimento leve pra frente e pra trás com a cabeça e seu acarya continuou:
-Não se deve olhar com pena para quem não precisou esforçar-se para crescer, se sua natureza não lhe permite que seja mais do que isso. Apenas o necessário pra sobreviver e ainda assim, na sombra.
O ouvinte levantou-se da pedra onde até então descansava, caminhou em direção à planta da parábola e quando aproximou-se, já no entardecer, sentiu suas vistas se encherem de um fosflorescente. Era de um amarelo vivo, com pintinhas caramelo e leves riscos avermelhados da flor que habitava naquela planta. Entendeu que a planta somente atrairia olhares de quem estivesse realmente atento a descobrí-la. A quem tivesse sido presenteado, por alguma razão, com aquela imagem tão delicada e singela.

12.9.06

substantivo abstrato

A conversa foi chegando a um nível inexpressável que tivemos a seguinte conclusão: somos abstratos demais. "paremos por aqui, as palavras não dão conta".
As palavras talvez não, mas existem muitas formas de não abstrair todas as idéias e pensamentos.
Abstração não seria somente o que flutua na mente, o que não pode ser palpável, o que não se materializa no plano terreno. Pode ser muito mais que sonhos indizíveis ou cores misturadas e camufladas; na verdade pode ser de menos pois abstrair também significa não considerar, não levar em conta, afastar-se. Quando se abstrai todas as suas idéias acreditando que elas de nada servem, abstrai-se também a energia que poderia mover esse moinho de idéias que se desmancha. Por sermos abstratos, nos detemos em nossas divagações, esquecemos o mundo ou inventamos um outro que não existe, a não ser na cabeça.
Nossa conversa não pôde seguir adiante e eu comecei a desenhar. Primeiro a ampulheta do tempo e bem ao lado a do contra-tempo, muito maior do que o próprio tempo inicial. Ele disse que era o contratempo, não quer sentir o tempo, não quer sentir a vida. Me intriga se ele não acredita que pode ser menos abstrato, ele é inteligente, sensível, simples e bonito. Irradia luz mas prefere apagá-la, abstraí-la do caminho de todos. Quem está perto dele sente sua energia tão sublime mas ele não consegue sentí-la.
Muito curioso quando alguém quer deixar de viver porque não consegue expressar e nem sentir. A meu ver ele se perdeu em seu mundo interior, está frágil porque não concretiza nada, não consegue concretizar porque disperdiça e dispersa a energia vital. Mas no fundo de seus olhos tem um brilho intenso e nós faremos com que o seu próprio brilho seja refletido pra ele mesmo, para que ele possa enxergar sua própria luz e iluminar sua vida tão escura neste momento.

11.9.06

touchè

Na última rua do fim da casa tem muitos pés de amora.
mora, amor, ora, amo, mor
Colhemos amora e antes da colheita, chuva de amora caindo no pano estendido e agarrado por 4 pares de mãos. Aqueles meninos nos levaram pra colher amora...

Tudo tão simples, uma mão segurando a outra, suavemente para andar em cima do muro. Uma mão procurando a outra antes de dormir olhando pra lareira. Poucas palavras, silêncio de tarde dourada, risos de boca roxinha (não de amora, de vinho!)

O tempo pode ser lento.

5.9.06

leve o sol e o meu abraço

....algumas palavras que podem significar tudo, ou nada, frente ao teste do tempo e do coração.....

1.9.06

Confluência

Pausa.



Ouvir o som da água da chuva, sentir as gotas caindo uma a uma, cada uma com sua particularidade de som, massa, liquidez, densidade. Uma gota que se esparrama e soma-se às outras penetrando-se instintivamente, cedendo espaço a uma serpente em forma de água corrente. O movimento instintivo da água é acolhedor, assim como um corpo envolvendo outro corpo, numa proximidade que permite à matéria agregar-se a outra parte da mesma matéria, formada de pele, poros, força, músculo e por isso quente, energia branda, envolvente, aquecedoramente inebriante.
Se circular significa troca constante, união e desprendimento, dispersar-se em uma direção e reajuntar-se na outra oposição, a água infinitamente consolida sua formação, não precisamente sua forma - já que ela se molda como convém – daquilo que é feita, de elementos que se atraem sem nenhum impedimento. E se a matéria de que são feitos os corpos não possui esse domínio de ligação impulsiva, cienticamente se explica que ela vem acompanhada de uma massa muito maior e mais poderosa que é a mente. Por isso a sábia frase de um escritor “deixem os corpos serem livres, porque os corpos se entendem, mas as mentes não”
Jogando-se em reflexão a tudo isso, por um momento o corpo pede a água em sua superfíce, percebe que não se chocou com a aproximação de outra matéria, então salva-se na água, inunda-se de prazer com essa troca que a água propõe e se lança ao mesmo tempo, não é preciso reagir e nem implorar para que a água o envolva insinuante.